Direito e ensino jurídico entre Brasil e Austrália: um paralelo entre as disciplinas Environmental Law e Roman Law

por Juliana Poubel

No segundo semestre de 2019, tive a oportunidade de realizar um intercâmbio acadêmico na University of New South Wales (UNSW), em Sydney, na Austrália. Lá, consegui nitidamente perceber a diferença entre os dois clássicos sistemas jurídicos existentes: o common law e o civil law. Para isso, usarei como base de comparação duas disciplinas que cursei no meu semestre na Austrália: Roman Law e Environmental Law.

Antes de tudo, é necessário esclarecer as diferenças entre esses dois sistemas jurídicos. O civil law é caracterizado por uma codificação em legislações escritas sobre determinadas matérias, que costumam ser amplas e, teoricamente, completas. De outro modo, o common law, usado como base para o sistema jurídico australiano, é baseado na cultura de precedentes, a partir da formação de casos concretos e de como os órgãos julgadores se posicionam acerca de determinado tema, que é a chamada jurisprudência.

A primeira disciplina, Roman Law, abordava o direito romano, e, como tal, sendo o direito que inclusive inspirou a formação do direito português e consequentemente do brasileiro, as leis basilares do sistema jurídico romano eram agrupadas em códigos. Essa disciplina era lecionada por um juiz da Supreme Court de Sydney, o que foi muito interessante, já que as aulas eram ministradas no prédio da Suprema Corte, no centro de Sydney.

Percebi que os costumes e leis da época do império romano eram totalmente diferentes dos nossos costumes, e hábitos como vender os próprios filhos eram aceitos, bem como o fato de mulheres e escravos não serem considerados cidadãos. Os códigos comumente mudavam de acordo com os imperadores que estavam no poder. Havia também as chamadas “12 tables”, que eram espécies de estatutos que versavam sobre assuntos variados como propriedade, direito público, morte, tutela, dentre outros.

A base dos códigos romanos se parece bastante com o modelo adotado no Brasil, como por exemplo direito dos contratos, obrigações e até alguns institutos específicos, como o comodato, o mútuo, o depósito e o mandato, que são institutos que adotamos até hoje em nosso direito civil. O mesmo se pode dizer sobre o direito penal, que à época já possuía institutos como o “flagrante delito” também utilizado pelos penalistas brasileiros até hoje.

De outro lado, também cursei a disciplina Environmental Law, que versava sobre o Direito Ambiental na Austrália. Pude perceber claramente a diferença entre os dois sistemas, já que, assim como os Estados Unidos, a Austrália adota o sistema do common law. Isso porque, como se sabe, a Austrália foi colonizada pelos ingleses (que, por sua vez, também colonizaram os EUA), que adotam o sistema do common law. Assim, eu como clássica estudante brasileira, acostumada aos códigos tão característicos do nosso sistema, estranhei ter que procurar em leis esparsas os fundamentos legais do direito ambiental australiano. Confesso que no começo tive dificuldade de entender como funcionava o sistema na prática, aquilo me parecia muito pouco organizado, mas, no final, acabei eventualmente me adaptando.

Durante as aulas, que eram ministradas com o método socrático, sendo parte da nota destinada à participação em sala (que poderia ser substituída por um pequeno vídeo feito em grupo),  além de atividades realizadas em casa como quizzes sobre o que havia sido visto nas aulas, o professor realizou comparações entre as leis ambientais da Austrália, e como elas eram estruturadas, e os códigos de outros países que adotavam o civil law, como a Índia, por exemplo, o que foi bem enriquecedor. Assim, a matéria teve uma perspectiva global, o que muito se alinha com a natureza do direito ambiental em si.

É interessante ressaltar, porém, que apesar de o Brasil adotar o civil law e organizar seu ordenamento jurídico em leis e códigos, as leis sobre direito ambiental no Brasil também estão contidas, em sua maioria, em leis esparsas, imagino que devido à recente importância, porém crescente da matéria. O professor também focou na questão de que o meio ambiente é também um ativo, e que a forma como o ser humano o utiliza influencia diretamente não só na forma como vivemos, mas também no ambiente que nos rodeia e no planeta como um todo. Ele chamou atenção para o fato de que as regras em uma determinada região ou até mesmo de países podem impactar de forma transnacional, o que é muito comum quando se fala de direito ambiental. Por isso temos diversos acordos internacionais sobre o tema.

Importante mencionar também que no common law e especificamente no caso da Austrália, existem os chamados Acts, que organizam a legislação sobre um determinado tema. Nesses Acts, é possível atribuir poderes a autoridades locais, como por exemplo ministros. O direito ambiental deve operar de forma a estar de acordo com todo o contexto constitucional do país, como acontece no Brasil. Porém, na Austrália, a sua constituição não aborda muito sobre o meio ambiente, já que é considerado uma questão estadual, sendo, portanto, competência dos estados estabelecer as leis a esse respeito.

Nesse sentido, foram criadas as EPAs, as Environment Protection Authorities, que são os órgãos ambientais reguladores de cada estado. Essas entidades fazem parcerias com empresas, governos e com a comunidade para reduzir a poluição e o desperdício, proteger a saúde humana e prevenir a degradação do meio ambiente. Essa autoridade foi criada no Protection of the Environment Administration Act 1991 (POEA Act).

Um dos “Acts” mais importantes e que mais estudamos na matéria de Environmental Law foi o EPBC Act. Essa lei permite que o Governo australiano se junte aos Estados e territórios para proporcionar um esquema verdadeiramente nacional de proteção do ambiente e do patrimônio e de conservação da biodiversidade. A Lei EPBC concentra os interesses do Governo australiano na proteção de assuntos de importância ambiental nacional, tendo os estados e territórios a responsabilidade por assuntos de importância estatal e local. Podemos ver, portanto, que o modelo ambiental australiano se parece bastante com o brasileiro, dividindo a responsabilidade e a fiscalização entre a União, os Estados e os Municípios, de acordo com o interesse predominante no caso.

Portanto, torna-se um pouco mais fácil perceber as diferenças primordiais entre o ensino jurídico na Austrália e no Brasil que, como visto, possuem muitos pontos comuns, apesar de adotarem sistemas jurídicos diferentes. Ambos utilizam o método de participação dos alunos nas aulas e nas atividades como base, deixando de se basear na mera explanação do professor, apesar de o Brasil poder explorar muito mais esse tipo de ensino, que não é adotado em todas as universidades, mas sem dúvidas contribui para a formação de pensamento crítico e maior independência nos alunos.